10.11.2007

(2) Sten

Estávamos nas montanhas. A escuridão era nossa aliada. À minha frente caminham onze almas moribundas, duas delas com apenas 8 anos. O silêncio protege-nos, mas também evidencia qualquer som que involuntariamente façamos.

O cheiro a terra molhada entope-me os sentidos e enregela-me os pés, já de si tatuados pela intensa caminhada que fazemos há 18 dias. As minhas mãos continuam a perder pele. As unhas estão partidas e encardidas. As costas dobram-se cada vez mais devido ao fardo que carrego. A minha roupa está rasgada, molhada e suja. No ombro direito a queimadura que me infligiram há uma semana resiste a cicatrizar.

A minha vista direita continua a derramar lágrimas involuntárias, reflexo claro do esforço que tenho aplicado nela, de maneira a estar sempre em alerta. A extensa barba vai acolhendo bocados de lama, lágrimas e vegetação. Há ainda uns ligeiros cortes por todo o corpo das silvas que se vão prendendo ao corpo pelo caminho.

Estou claramente mal nutrido e as marcas dos ossos do tronco cada vez ganham maiores contornos.

Tudo o que possuímos é embalado e carregado numa pesada mochila. Não arriscamos em comer nada pelo caminho, nem a mais deliciosa das maçãs que parece nem imaginar o que aconteceu ao mundo.

O céu negro continua a expelir cinza. Está frio, muito frio e há horas que não vemos vivalma. Nem um coelho, ou um rato. Nem um insecto, nem um pardal.

Sento-me sobre uma pedra, o único elemento que parece não me poder trair naquele instante. Caio que nem um pardal quando pousa num pequeno galho numa zona de caça. O silêncio é interrompido por uma enorme gargalhada de grupo. Há dias que não ouvia tal som. Já nem me lembrava de como era, tal o ambiente mórbido que nos perseguia.

A pedra, mal me sentei, enterrou-se na lama. Eu, apanhado desprevenido, caí de costas. E foi aí que a vi...